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O Mecanismo de Solidariedade sob a Perspectiva do Ordenamento Jurídico Brasileiro

O mecanismo de solidariedade consiste em uma ferramenta jurídica que visa à redistribuição de valores oriundos de transferências permanentes ou temporárias de atletas, em favor dos clubes que contribuíram para sua formação, desde que seja de forma onerosa. Seu objetivo primordial é assegurar aos clubes formadores uma compensação pelos esforços, investimentos e incentivos aplicados durante o período de desenvolvimento e profissionalização do atleta.


No âmbito nacional, o mecanismo de solidariedade encontra previsão legal no art. 102 da Lei 14.597/23, a chamada Lei Geral do Esporte, que prevê a distribuição de valores aos clubes responsáveis pela formação de atletas profissionais de futebol no período entre os 12 e 19 anos de idade. O montante a ser distribuído pode alcançar até 6% do valor correspondente à transferência nacional do jogador, abrangendo tanto transferências permanentes quanto temporárias entre clubes brasileiros.

A Lei Geral do Esporte (LGE) introduziu inovações significativas no sistema brasileiro, como o aumento do percentual de 5% para até 6% nas transferências nacionais, promovendo um maior reconhecimento dos clubes formadores no cenário doméstico. A LGE também trouxe maior clareza quanto às obrigações das partes envolvidas, permitindo que o percentual previsto em transferências nacionais seja acumulado com o percentual internacional estabelecido pela FIFA em transferências entre clubes de diferentes nacionalidades. Essa modificação reforça a proteção e apoio dos clubes que investem em suas categorias de base.


Além disso, a nova legislação apresenta uma abordagem mais detalhada sobre os direitos dos clubes formadores em transferências domésticas, um aspecto que anteriormente não recebia a devida prioridade. O acúmulo de percentuais e a distribuição equitativa de valores fortalecem o papel das categorias de base no Brasil.

Conforme disposto no artigo 102, incisos I, II e III da LGE, a distribuição dos 6% devidos aos clubes formadores ocorre da seguinte forma:


I) Os clubes que contribuíram para a formação do atleta entre os 12 e 13 anos têm direito a receber 0,5% por ano de formação;

II) Os clubes que atuaram na formação do atleta entre os 14 e 17 anos têm direito a receber 1% por ano de formação; e

III) Os clubes que formaram o atleta entre os 18 e 19 anos têm direito a 0,5% por ano de formação.


Importa destacar que não há limitação em relação ao número de transferências, à idade ou ao tempo de carreira do atleta para que o mecanismo de solidariedade seja acionado. Sempre que o atleta for transferido mediante pagamento, o mecanismo será automaticamente ativado, independentemente do número de transferências anteriores ou de quanto tempo o atleta já esteja em atividade profissional.


Outro ponto relevante é que a LGE, em seu artigo 102, §3º, estabelece que a organização esportiva adquirente dos direitos do atleta é a responsável por realizar a distribuição dos valores referentes à transferência aos clubes formadores, no prazo de até 30 dias a contar da efetiva transferência.


Em relação ao repasse dos valores, há uma exceção quando o atleta rescinde unilateralmente seu contrato mediante o pagamento de cláusula indenizatória ao clube ao qual estava vinculado. Nesse caso, a organização que recebeu os valores da cláusula indenizatória deve realizar a distribuição dos valores conforme o artigo 102, §2º da LGE.

Caso o clube adquirente do atleta não realize a distribuição e o repasse dos valores devidos aos clubes formadores dentro do prazo de 30 dias, os clubes formadores podem recorrer à Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da CBF. O Regulamento da CNRD, em seu artigo 3º, inciso IV, atribui competência à Câmara para julgar disputas relacionadas ao não cumprimento do mecanismo de solidariedade.

É importante ressaltar que existem situações nas quais o mecanismo de solidariedade não é ativado, tais como:


I) Transferências gratuitas, em que não há pagamento de valores pela contratação do atleta;

II)  Transferências ao término do contrato, quando não há compensação financeira;

III)  Assinatura do primeiro contrato profissional por um atleta em formação com clube diverso do formador, incidindo, neste caso, a indenização por formação;

IV) Clube não registrado formalmente, sendo imprescindível o registro regular do atleta na federação durante o período de formação para que o clube tenha direito à compensação; e

V) Transferências de atletas que não se tornam profissionais, uma vez que o mecanismo se aplica apenas a atletas que completaram a profissionalização e estão regularmente registrados como profissionais na federação responsável.


Dessa forma, dois elementos são essenciais para a ativação do mecanismo de solidariedade: a profissionalização do atleta ao longo de sua carreira e a existência de uma transferência onerosa, ou seja, em que o clube adquirente realiza o pagamento pela aquisição do atleta.


Conclui-se que o mecanismo de solidariedade, previsto inicialmente pela Lei Pelé e aprimorado pela Lei Geral do Esporte, reforça o papel crucial dos clubes formadores no desenvolvimento de atletas profissionais. Ao garantir a redistribuição de parte dos valores das transferências, a legislação brasileira incentiva o contínuo investimento nas categorias de base. As inovações introduzidas pela LGE, como o aumento do percentual e a maior clareza nas responsabilidades de pagamento, fortalecem esse sistema. Contudo, é fundamental que os clubes sigam rigorosamente os prazos e procedimentos estabelecidos para assegurar o recebimento adequado dessas compensações.

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