A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X prevê a imagem como um direito da personalidade, que se diferencia devido ao fato de possuir disponibilidade por parte de seu titular, o qual pode permitir sua exploração.
Com efeito, a proteção jurídica à imagem mostra-se fundamental, pois preserva a defesa de componentes essenciais a personalidade e, simultaneamente, o respectivo patrimônio do indivíduo, levando em consideração o valor econômico que representa.
Tratando-se de atletas profissionais de futebol, não se deve confundir a cessão de imagem com o objeto de seu contrato principal, ou seja, o contrato especial de trabalho desportivo.
Em linhas gerais, o contrato especial de trabalho desportivo tem como objeto principal a participação do atleta em competições, treinos, concentração, viagens, preservação de suas condições físicas, conforme normas e regras descritas na Lei 14.597/23.
Por sua vez, o Contrato de Cessão de Direito de Imagem, tem como objeto relação jurídica diversa, servindo com o intuito de autorizar e remunerar o tempo em que a imagem do atleta estará ligada a campanhas publicitárias do clube em questão, com a finalidade de angariar associados e patrocinadores, vender materiais esportivos, acessórios, bem como permitir a divulgação do clube em comerciais, depoimentos, revistas, sites, aparições em eventos, dentre outros.
Assim, a prestação obrigacional devida pela Cessão do Uso do Direito de Imagem consiste em obrigação de dar, ou seja, a entrega do Direito de Imagem à Licenciada por prazo determinado, não exigindo qualquer obrigação de fazer, não podendo, portanto, ser confundida com um serviço.
Destaca-se que, se não fosse o costume jurídico de chamar a locação de coisa intangível como licenciamento ou cessão, o contrato em questão poderia ser chamado de contrato de locação, vez que nele se convenciona a entrega de coisa por tempo determinado, seguindo exatamente o conceito de locação de coisa móvel, previsto no artigo 565 do Código Civil.
Ainda, corroborando com o exposto acima, o Código Civil, em seu artigo 83, III reconhece que os direitos pessoais de caráter patrimonial se consideram bens móveis.
Neste sentido, deve ser observado por analogia o disposto na Súmula Vinculante nº 31 do Supremo Tribunal Federal, em que assim destaca: “É inconstitucional a incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”
Fixadas essas premissas acerca do direito de imagem, é necessário realizar esclarecimentos do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, para demonstrar que não há correlação entre seu fato gerador – prestação de serviços – e as atividades de cessão de direito de exploração de imagem e demais atributos da personalidade dos atletas.
A Constituição Federal estabelece as competências para a instituição de tributos pela União, pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Em seu artigo 156, dispõe que compete aos Municípios instituir imposto sobre serviço de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar.
A Lei Complementar nº 116/03, em seu art. 1º prevê que o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza de competência dos Municípios e do Distrito Federal tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa.
Portanto, resta claro que somente os valores decorrentes da prestação de serviços dispostos na lista anexa à Lei Complementar nº 116/03 é que poderão ser tributados pelo ISSQN. Quer dizer, o elemento material da referida obrigação tributária é sempre um serviço.
O Direito Privado conceitua prestação de serviços como uma obrigação de fazer, não podendo ser ignorado pelo legislador complementar, a ponto de se permitir a modificação da natureza jurídica do instituto, até porque o artigo 110 do CTN não o permite: “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Dessa forma, a cessão do direito de exploração comercial da imagem e demais atributos dos atletas não pode ser considerada como decorrente de uma prestação de serviços, visto que se equipara claramente a uma obrigação de dar/ceder, não devendo ser submetida à tributação do imposto em questão,
A tributação pelo ISSQN sobre os direitos de imagem e demais atributos da personalidade, confronta com a própria matriz constitucional deste tributo, conforme dispõe o artigo 156, III da Constituição Federal.
Não caracterizando a atividade de cessão, sucessão ou licenciamento oneroso de exploração de direito de imagem e demais atributos da personalidade de atletas profissionais de futebol uma prestação de serviços, não pode ocorrer a tributação do ISSQN sobre estes contratos, sendo evidente o direito a repetição dos valores pagos indevidamente.
Em seu artigo 165, I, o Código Tributário Nacional prevê o direito do sujeito passivo de reaver o pagamento indevido, sendo completamente plausível que o tributo cobrado de forma equivocada seja restituído ao patrimônio de quem arcou com o pagamento.
Fonte: Dra. Isabela Casagrande
Comments